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Caio Mota/Reprodução/Instagram @apiboficial

10 nov 21

Na COP fora da COP26, a esperança equilibrista

Apesar do pessimismo diante do governo Bolsonaro e das lideranças mundiais, povos originários organizados, movimentos populares e a sociedade civil apontam caminhos para combater a mudança climática – e até ter alguma esperança

Por Rebeca Lerer*

Acompanho reuniões e convenções da ONU desde 1997, quando cobri a Rio+5 como estagiária de comunicação da Fundação SOS Mata Atlântica. Quase 25 anos e dezenas de COPs e assembléias sobre Mudanças Climáticas, Direitos Humanos e Biodiversidade depois, sei bem que o sistema das Nações Unidas é limitado, imperfeito e insuficiente, funcionando como mais um espelho da crise socioambiental, humanitária e democrática proporcionada pelo modelo hiper capitalista que domina o planeta. No entanto, na COP que acontece fora da COP26, vi motivos que trazem esperança na construção de alternativas ao colapso climático em curso.

Historicamente, essas reuniões burocráticas das convenções-quadro da ONU serviram como espaço de encontro e embate entre a pesquisa científica sobre o clima e as políticas macroeconômicas dos países. As COPs também direcionam o debate público e as narrativas oficiais sobre essa crise planetária. ONGs, movimentos sociais e ativistas participaram e disputaram esse processo desde o início. A sociedade civil, embora persistente, foi muitas vezes marginalizada e impedida de acessar os fóruns de tomada de decisão. A participação também foi desigual: COPs realizadas em países frios e distantes, dependendo de viagens muito caras, resultando em uma maioria de pessoas de padrão hegemônico branco, heteronormativo e ocidentalizado, perpetuando a lógica colonial que nos trouxe à atual #EmergênciaClimática. 

A #COP26 começou no dia 06 de novembro e entrou em sua segunda semana na Escócia carregando vários desses ranços históricos e estruturais. Em termos gerais, a expectativa é que as metas de redução de emissões, o dinheiro alocado para financiar soluções e adaptação e a vontade política que constarão da declaração final da COP26 sejam bem menores do que o momento exige. Como disse a nossa amiga Greta, é puro #blahblahblah.

O Brasil bem que tentou performar imunizado em Glasgow porém o país está com o filme diplomático and as florestas queimadas – ninguém acredita mais no governo brasileiro (e tão errados?). No projeto Sinal de Fumaça – Monitor socioambiental, fizemos até um dossiê bilíngue chamado “Governo Bolsonaro: Menos 30 Anos em 3”, uma linha do tempo dos principais fatos da política anti-meio ambiente de Bolsonaro. Enviamos essa memória organizada aos delegados internacionais que participam da COP para que saibam o tamanho do desmonte bolsonarista e com quem estão lidando.  

E se de onde nada se espera é que não vem nada mesmo, assistindo de longe esta #COP26, me peguei jogando o jogo do copo meio cheio, principalmente pelo que tem rolado do lado de fora e para além dos corredores da conferência. A “COP fora da COP26” me deu seis #RazõesParaAcreditar: 

3) FINALMENTE a cobertura midiática sobre mudança climática se tornou diária, constante e abrangente – e não mais meras notícias perdidas nas editorias de ciência e meio ambiente. Chamadas em capas de grandes portais, centenas de correspondentes, comunicadores comunitários, influenciadores, formadores de opinião, especiais na TV – nunca a atenção foi tão grande, nunca se gerou tanto conteúdo sobre o tema, nunca as #s subiram tanto no twitter. Como era de se esperar, as campanhas de desinformação, fake news e greenwashing explodiram de forma inversamente proporcional no ambiente digital, modernizando a tradição de negacionismo da mudança do clima praticada por corporações até o verão analógico passado;  

2) Por falar nisso, o termo GREENWASHING (maquiagem verde) voltou com tudo para a boca do povo. Quem viveu os anos 90 e o início dos 2000 lembra das aulas de propaganda enganosa promovidas por corporações poluidoras como Monsanto, Dow Chemical, Exxon e Bayer, entre muitas outras, que disfarçavam os efeitos da poluição tóxica com campanhas publicitárias vencedoras de troféus em Cannes além de criar prêmios, bolsas e institutos para passar pano na própria imagem. Aos poucos, o marketing corporativo foi consolidando o uso de termos como “sustentabilidade”, ” economia verde” e “responsabilidade social” para limpar a imagem dessas empresas. Não por acaso, na mesma época, aqui no Brasil, parou-se de falar em “latifúndio” e “reforma agrária” e passou-se a usar “agronegócio” e “regularização fundiária” – é estratégia de branding que chama. Nessa COP, iniciativas como o EcoBot.net estão rastreando e apontando greenwashing praticado por corporações nas redes digitais e dentro da própria conferência, que tem pavilhões e atividades financiadas por grandes poluidores. Não basta cobrar metas dos governos – as corporações também precisam ser responsabilizadas pela crise climática;

3) INDÍGENAS na linha de frente, formando a maior delegação brasileira na história, marcando presença na abertura da COP26 com o discurso certeiro da Txai Suruí, nas reuniões paralelas e marchas nas ruas de Glasgow com Sonia Guajajara, Joenia Wapichana, Célia Xakriaba, Puyr Tembé e outras mulheres indígenas da Apib e da ANMIGA, Alice Pataxó dando a letra sobre a luta pela terra na COY e todas elas, junto à centenas de lideranças africanas, asiáticas, das ilhas do Pacífico e da América do Norte, organizadas em resistência contra a destruição de seus territórios. A presença mais ampla de movimentos indígenas na COP26 também reflete maior financiamento e acesso à filantropia para esses grupos – como diz o ditado, “antes tarde do que mais tarde”; 

4) A luta ANTI-RACISTA como vértice da busca por justiça climática, com participação direta de redes como o Black Lives Matter e a Coalizão Negra por Direitos, que mandou uma delegação para Glasgow e publicou um forte manifesto pela demarcação dos territórios quilombolas brasileiros. Ver os amigos Douglas Belchior, Raull Santiago pelo Perifaconnection, Marcelo Rocha pelo Fridays For Future Brasil, entre outras representações dos movimentos negros brasileiros, levantando as bandeiras do combate ao racismo ambiental e pela defesa da vida quilombola, periférica e favelada na COP26 em Glasgow é inspirador e um grande passo à frente para todxs nós;  

5) O PROTAGONISMO JOVEM em um assunto tão complexo, a capacidade de auto-organização do #FridaysForFuture, os ícones Vanessa Nakate, do RiseUp Movement Africa, e Greta Thunberg dando o papo reto, a coragem da galera do Engajamundo e a sensatez fofa da pequena Holly Brown de apenas 8 anos, garotas que debatem com chefes de Estado ao mesmo tempo que formam enormes marchas populares do lado de fora da COP e em dezenas de países, são exemplos concretos de uma estética renovada, inspiradora e esperançosa na luta por justiça climática. Uma geração que já se cria sob as lentes do decolonialismo, do feminismo, da neurodiversidade, da ciência e da busca por igualdade. É muito emocionante viver esse momento histórico e precisamos apoiar essa juventude de todas as maneiras possíveis;

6) A transversalidade das lutas, o fortalecimento das redes e conexões entre esses movimentos e o engajamento da juventude parecem assustar mais as empresas e os governos do que eventos climáticos extremos como secas e enchentes. O tempo da política institucional e do mercado raramente acompanha o ciclo de evolução cultural da sociedade – são ritmos muito diferentes. Embora governos e empresas atuem na direção contrária, hoje, depois de décadas de muito trabalho de centenas de milhares de ativistas, pesquisadores, comunicadores, defensores de direitos humanos e cientistas, existe uma COMUNIDADE ampla, diversa, crítica e autônoma mobilizada contra a crise climática. Gente que sabe de quem é a culpa e o que é preciso fazer para manter o planeta habitável, e que isso só acontecerá com a redução da injustiça social e o fim do racismo. Os altos investimentos das grandes corporações e governos em tentar proteger sua imagem com slogans sofisticados e vazios como “net zero” e o envio de mais de 500 lobistas da indústria do petróleo à Glasgow, além do teatrinho do governo brasileiro promovido com apoio da agroindústria, indicam que eles estão sentindo a pressão. Quem produz bilhões de toneladas de CO2 tem que ter medo mesmo.

Apesar de tudo, o lado bom de ser veterana desse rolê é conseguir perceber que, em vários aspectos, nos organizamos, resistimos e evoluímos. Que a situação seria bem pior sem os esforços coletivos da sociedade civil. Que estamos em uma esquina da história planetária e ainda podemos fazer alguma diferença, na esperança equilibrista de quem sabe que só a luta muda a vida.

*Rebeca Lerer, 44, é jornalista, ativista de direitos humanos e coordenadora do Sinal de Fumaça- Monitor Socioambiental. Esse texto foi publicado originalmente no site da Mídia Ninja como parte da cobertura colaborativa da COP 26. 

(Créditos da foto que ilustra a matéria: Caio Mota/Reprodução/Instagram @apiboficial)

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