Desde março, estudos e levantamentos de pesquisadores e organizações da sociedade civil vêm alertando para a extrema vulnerabilidade da população indígena frente à pandemia da Covid-19. Nesse cenário, a devastação ambiental promovida pelas queimadas e pelo desmatamento, que atingiram índices recordes em 2020, é apontada como importante fator de risco para a saúde indígena, ao aumentar o risco de contágio e trazer instabilidade territorial.
A Repórter Brasil trouxe a público um levantamento inédito da ONG Global Forest Watch que aponta para a devastação promovida por mais de 115 mil focos de incêndio em diversas Terras Indígenas desde o início do ano até 29 de outubro. Segundo a reportagem, das mais de 724 TIs contempladas pelo relatório, em diversos estados, 61% registraram incêndios. Lideranças locais e especialistas apontam para a falta de estrutura para combater as queimadas – usadas por fazendeiros para a limpeza do pasto – e denunciam o abandono da Fundação Nacional do Índio (Funai). A TI Parque do Xingu, no Mato Grosso, está entre as mais afetadas em 2020, com 10.502 focos de incêndio. “Nossa realidade não está nada boa. Perdemos muitas lideranças, nosso povo tá morrendo [de Covid-19] e, para piorar a situação, nossa casa, que é nossa farmácia e nosso supermercado, está pegando fogo.”, relatou Watatakalu Yawalapiti, liderança da região, que abriga 16 etnias em 500 aldeias.
Ainda que o fogo das queimadas não atinja diretamente as comunidades, seus impactos na saúde serão sentidos, aponta a Fundação Oswaldo Cruz. A pesquisa “Covid-19 e queimadas na Amazônia Legal e no Pantanal: aspectos cumulativos e vulnerabilidades”, divulgada pelo jornal Deutsche Welle em 12 de novembro, alerta sobre como a coexistência do aumento das queimadas e a presença da Covid-19 pode agravar ainda mais o quadro de saúde dos povos originários. “A grande ocorrência de queimadas, que vem alcançando números recordes no ano de 2020, aliada à baixa umidade na região Amazônica e no Pantanal, pode agravar o impacto da epidemia de Covid-19. O material particulado e gases tóxicos gerados pela queima de biomassa alcança longas distâncias, podendo atingir as grandes cidades das regiões Norte e Centro-Oeste, bem como populações ribeirinhas, quilombos e terras indígenas a centenas de quilômetros dos focos de incêndio. O material particulado possui um grande potencial inflamatório, o que pode agravar os casos de Covid-19, sendo também porta de entrada para infecções respiratórias”, diz a nota técnica do estudo. O documento destaca que umas das áreas prioritárias para o reforço do sistema de saúde e controle das queimadas é justamente a do “arco do desmatamento”, principalmente o norte do Mato Grosso, onde se situa a TI Parque do Xingu (MT), e sudeste do Pará.
Junto às queimadas, o desmatamento em terras indígenas, causado por grileiros, garimpeiros e madeireiros ilegais, cresce exponencialmente, ampliando o risco da disseminação da Covid-19 nas aldeias, aponta outro estudo, elaborado pelo Instituto Socioambiental (ISA) e divulgado em setembro. Segundo a organização, nas TIs Trincheira-Bacajá, Kayapó e Munduruku, no sudoeste do Pará, o desmatamento aumentou, respectivamente, 827%, 420% e 238%, entre março e julho de 2020. As regiões integram o grupo das sete terras com demarcação concluída mais invadidas da Amazônia Legal, junto com as TIs Karipuna e Uru-Eu-Wau-Wau (RO), Araribóia (MA) e Yanomami (AM/RR). Como resposta, os casos da doenças disparam nos territórios, afirma o ISA.
No levantamento mais recente feito Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) do impacto da Covid-19 entre os povos indígenas da Amazônia, até 9 de novembro, foram registrados 28.241 casos confirmado da doença, 643 suspeitos e 695 mortes, em 133 povos.
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